Vez ou outra gosto de refletir sobre a vida e o tempo.  Hoje, conversando com um aluno, me lembrei desta passagem da Montanha Mágica que fala sobre o tempo da maneira mais honesta que eu já li.  Tempo, esse agora e esse depois que às vezes pode parecer-nos eterno e outras vezes muito limitado. 

EXCURSO SOBRE O SENTIDO DO TEMPO.

(A Montanha Mágica, Capítulo IV. Thomas Mann)

“No fundo constitui fenômeno esquisito esse processo de aclimatação num lugar estranho, a adaptação – por mais laboriosa que seja – e a mudança de hábitos à qual as pessoas se submetem só para variar e na intenção firme de abandoná-la imediatamente ou pouco depois de completada, a fim de voltarem ao estado anterior. Intercala-se tal processo como una espécie de interrupção ou entreato, no curso principal da vida, e isso para fins de “restabelecimento”, quer dizer: para exercitar, renovar e revolucionar o organismo que corria perigo, e já estava a ponto de se amimalhar, de enlanguescer e de entibiar,na desarticulada monotonia da existência rotineira. Mas, qual é a origem desse langor, dessa tibieza, nos casos de continuidade por demais extensa e ininterrupta de essa rotina? Trata-se menos do cansaço e do desgaste físico e espiritual, que causam as exigências da vida – para eles, o simples descanso bastaria como remédio reconstituinte -, do que de algo psíquico: é a consciência do tempo que ameaça perder-se na uniformidade constante, e que liga laços tão estreitos de parentesco e afinidade à própria sensação de vida, que não se pode debilitar uma sem que a outra sofra e definhe também. Com respeito à natureza do tédio encontram-se frequentemente conceitos errôneos. Crê-se em geral que a novidade e o caráter interessante do conteúdo “fazem passar” o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e a vacuidade lhe estorvam e retardam o fluxo. Isto não é verdade, senão com certas restrições. Pode ser que a vacuidade e a monotonia alarguem e tornem “tediosos” o momento e a hora; porem, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviadas e aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, por outro lado, capaz de abreviar a hora e até mesmo o dia; mas, considerando sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros , pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e se vão voando. O que se chama tédio é, portanto, na realidade, antes uma brevidade mórbida do tempo, provocada pela monotonia: em casos de igualdade contínua, os grandes lapsos de tempo chegam a encolher-se a tal ponto, que causam ao coração um susto mortal; quando um dia é como todos, todos são como um só; passada numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fechar de olhos. O hábito representa a modorra, ou ao menos o enfraquecimento, do senso do tempo, e o fato dos anos de infância serem vividos mais vagarosamente, aopasso que a vida posterior se desenrola e foge cada vez mais depressa – esse fato também se baseia no hábito. Sabemos perfeitamente que a intercalação de mudanças de hábitos, ou de hábitos novos, constitui o único meio para manter a nossa vida, para refrescar a nossa sensação do tempo, para obter um rejuvenescimento, um reforço, uma retardação da nossa experiência do tempo, e com isso, o renovamento da nossa sensação de vida em geral.”